23 de janeiro de 2013

Lance Armstrong e a dissonância cognitiva

Parece ser uma opinião generalizada e até já um facto estabelecido: se tinha intenções de ser “uma operação de relações públicas”, com o subentendido objectivo de sucesso, a entrevista de Lance Armstrong a Oprah Winfrey acabou por se tornar um pesadelo.

Para o facto, remeto para o artigo do Guardian http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2013/jan/21/lance-armstrong-oprah-pr-disaster que por sua vez remete para uma sondagem nacional nos USA: o que restava de apoiantes a Lance Armstrong, foram perdidos com a “confissão”. Antes da entrevista, Armstrong estaria aparentemente a recuperar a sua credibilidade, ou pelo menos a sua aceitabilidade. As dúvidas que ainda se mantinham sobre o doping ajudavam a quem queria acreditar nele a continuar a acreditar. A partir do momento em que ele confessou, os que o apoiavam deixaram de ter argumentos para o fazer. Pior, ficaram desprovidos de qualquer hipótese de ultrapassar o seu conflito moral. Ou seja, ficaram impedidos de ultrapassar a sua dissonância cognitiva, um processo psicológico bem conhecido dos marketeers.

Quando queremos acreditar na bondade e no acerto da nossa escolha – neste caso, o apoio a Armstrong – embora tudo pareça indicar o contrário, temos de arranjar forma de justificar essa escolha. Uma saída típica é a distorção das percepções: quando a crença é desconfortável, procura-se ver apenas os aspectos que interessam, no caso a capacidade extraordinária de Armstrong, a força desportiva mas também a sua luta contra o cancro.

Há outras formas de minimizar as dissonâncias, como descredibilizar as fontes da dissonância (no caso, os colegas “invejosos” de Armstrong) ou procurar uma culpa social, neste caso culpar “o sistema” do desporto e o ciclismo em particular, cujas metas irrealistas acabam por obrigar à criação de “monstros” sobre-humanos que são obrigados a se dopar para responder a expectativas irrealistas.

A dissonância cognitiva é geralmente aplicada no marketing a “coisas”, bens e serviços que os marketers têm de assegurar como compras confortáveis aos seus clientes. Penso contudo que este mecanismo psicológico se pode aplicar a marcas-pessoas. E que essa dissonância cognitiva é tanto maior quanto mais populares e extraordinárias são essas marcas-pessoas, essas figuras públicas. Tendemos a “desculpá-las”, valorizar os seus feitos e partilhar todos os mitos que contribuam para a devoção da sua imagem.

Foi aqui que a confissão de Lance Armstrong falhou. Retirou todas as possibilidades de os seus adeptos resolverem a sua dissonância. E isto não tem nada a ver com “relações públicas”, “media training” ou “preparação de mensagens” que muitos de nós tão bem conhecemos.

Arriscar-me-ia a dizer que esta entrevista representa um conflito entre duas visões da comunicação: a das relações públicas, que defende a verdade e a transparência como a melhor arma de defesa, o último garante da reputação, por muito que essa verdade possa ter efeitos de curto prazo muito negativos; e a do marketing, que olha para os consumidores/“seguidores” de uma marca (neste caso, uma marca-pessoa) como seres psicológicos complexos cuja experiência tem de ser o mais positiva e natural possível.

Todas as análises que li sobre a entrevista – body language, bad timing, mensagens erradas – me parecem distantes desta realidade concreta: não perdoamos quando os nossos heróis se tentam mostrar como simples humanos e nos deixam sozinhos. Provavelmente, teria ganho, como sustenta o artigo do Guardian, em continuar a mentir.

Alda Telles
Directora Geral de Clientes

Fonte: Consultores de Comunicação

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